sábado, 20 de junho de 2015

Cristo hoje é uma travesti, pregada numa cruz e um negrinho pelado, algemado num poste

As imagens chocam, e muito, aqueles que foram educados pelo e para o ódio – ironicamente, através da religião que se distinguiu, ao longo dos séculos, por um profeta que pregava o amor.
Tive aulas de catecismo que me ensinaram sobre a figura de Jesus na cruz como a representação de sua luta pelos perseguidos da época. “Por isso ele é o salvador da humanidade”, dizia a professora.
Jesus Cristo foi crucificado porque defendeu os trabalhadores explorados, os miseráveis, as prostitutas, os leprosos e até mesmo os que não acreditavam em sua palavra.
Tudo isso está nas escrituras. Pode ser somente uma metáfora. Não sou um religioso, tampouco ateu – tenho uma maneira estranha de acreditar, por exemplo, no Cristo histórico e outras coisas que fazem sentido pra mim –, mas sempre vi sua história como algo muito presente no mundo ao meu redor, e por isso acho o cristianismo uma ideia com muito sentido.
Acredite nele ou não, a história de Jesus é a da vítima do ódio mais conhecida pela humanidade.
Também aprendi de pequeno que os cristãos creem no retorno de Cristo ao mundo dos mortais. Lá pelos Anos 90, se dizia que isso aconteceria dois mil anos depois da sua morte.
Onde estaria hoje esse Cristo que renasceu? Levando em conta o ensinado nas aulas de catecismo, Cristo seria uma transexual pregada numa cruz na parada gay, simbolizando as travestis que são espancadas, humilhadas e assassinadas com requintes de crueldade no Brasil e em vários outros lugares assolados pelo fanatismo religioso. No caso brasileiro, pasmem, pelo fanatismo cristão.
Talvez Cristo tenha renascido milhões de vezes no mundo atual, para ser novamente crucificado. Ele foi um homem atropelado por um caminhoneiro em Goiás, porque um cristão homofóbico não gostou de vê-lo abraçado a outro homem. Foi um mendigo humilhado na rua com um balde d´água, e um frentista haitiano acossado por cristãos. Ele foi aquela menina do Piauí morta após um estupro coletivo, pelos cristãos que a crucificaram. Foi aquele negrinho que batia carteiras, ou furtava galinhas, e terminou nu e algemado ao um poste – as imagens de sua crucificação são conhecidas, não foram encenadas, mas sim comemoradas por uma jornalista cristã e seus seguidores também fiéis.
O Cristo crucificado hoje é uma travesti, um homossexual, um palestino, um imigrante africano ou haitiano, um negro das favelas brasileiras, um índio da Amazônia, ou da Bolívia, ou um mapuche, um nordestino, um menino de rua, uma mulher que sonha em chegar em casa logo, antes que algo aconteça – ou em ter pra onde sair de casa logo, antes que algo aconteça.
As imagens de Cristo como uma travesti pregada na cruz choca parte da comunidade cristã brasileira, tanto quanto os primeiros cristãos que pregavam o amor ao próximo como princípio fundamental de difusão de sua crença chocavam os romanos. Talvez porque entenderam isso, alguns evangélicos participaram desta última parada gay defendendo o lema “Jesus cura a homofobia”.
A tal da blasfêmia, reclamada por alguns pastores oportunistas, certamente não levará nenhum homossexual a atacar evangélicos física ou psicologicamente, muitas vezes com resultado de morte. O contrário, o uso da pregação bíblica para justificar a perseguição e assassinato de homossexuais e transgêneros, por ódio puro e simples, é coisa frequente em nosso país.
Penso naquela pobre professora de catecismo, sem ter como saber se ela aderiu aos novos tempos em que os cristãos são os que odeiam os demais, ou se continua ensinando o mesmo que ensinou a mim. Na segunda hipótese, temo que ela possa ter sido linchada por outros cristãos, acusada de comunista, gayzista e até mesmo ateia.
Nesse momento, sinto que o juiz que condenou Cristo foi o grande vencedor da História.
Eis o homem.


Texto: Victor Farinelli (Publicado originalmente em sua conta do Facebook)
Nota do CEBI: O fato que motivou o texto aqui apresentado foi a encenação da crucificação apresentada pela transexual Vivyane Beleboni por ocasião da Parada do Orgulho Gay de São Paulo. 

Pecado à brasileira (ou Jesus Cristo e a Parada Gay)

     "Não existe pecado do lado de baixo do Equador. Vamos fazer um pecado, rasgado, suado, a todo vapor. Me deixa ser teu escracho, capacho, teu cacho, um riacho de amor. Quando é lição de esculacho, olha aí, sai de baixo, que eu sou professor! Deixa a tristeza pra lá, vem comer, me jantar, sarapatel, caruru, tucupi, tacacá. Vê se me usa, me abusa, lambuza, que a tua cafuza, não pode esperar”.
Os versos acima são da música "Não existe pecado ao sul do Equador”, composta para integrar o repertório da peça "Calabar, o elogio da traição”, escrita em 1973 por Chico Buarque e Ruy Guerra. A obra, marcada pelas metáforas, parte de uma figura histórica (Domingos Calabar) para fazer uma crítica à situação que o Brasil vivia na época; foi um desacato sutil à ditadura que definia os comunistas como traidores da pátria; impondo uma brutal repressão política e moral ao país. Anos depois, a música ganhou ainda mais notoriedade na voz de Ney Matogrosso, o mesmo que, em 1977, ainda sob a ditadura, lançou um disco chamado "Pecado".
viasdefato

Lembrei esses artistas e músicas (ousados para a época) ao ver a polêmica e a repercussão em torno da atitude da transexual Viviany Beleboni, que apareceu caracterizada de Jesus Cristo na recente Parada Gay de São Paulo, realizada no dia 7 de junho. Seu gesto foi visto por alguns, incluindo "nobres” deputados de Brasília, como blasfêmia, desrespeito, deboche, heresia. Houve xingamento, ameaça e críticas, oriundas até de alguns integrantes do movimento LGBT, temerosos com a repercussão. Para os conservadores de hoje, ela virou uma emblemática Geni.Seminua, cheia de "hematomas” e "sangrando”, Viviany desfilou, em cima de um carro aberto, pregada a uma cruz, com uma coroa de espinhos na cabeça e no alto da cruz uma placa dizendo "basta de homofobia”. Ela deu a cara à tapa e trouxe novamente a tona uma discussão sobre graves problemas decorrentes do preconceito aos homoafetivos no Brasil, incluindo os inúmeros assassinatos de travestis, lembrando que o nosso país é o campeão mundial neste tipo de crime.
Então, rapaziada, sem essa de pecado ou blasfêmia. Não estamos sob a inquisição. Ela não desrespeitou nada, nem ninguém! Ela afrontou apenas os sexistas. A atitude de Viviany merece nosso aplauso e solidariedade. Historicamente, a cruz é lugar dos humilhados, agredidos, torturados (e Cristo não foi um norte-americano loiro dos olhos azuis). Desrespeito não seria a mercantilização da fé? Desrespeitosos não seriam os vendilhões do templo?
A coragem da transexual politizou o evento LGBT e estimulou o debate. Apesar das esperadas reações contrárias, ela provocou a reflexão sobre os nossos mais arraigados preconceitos e hipocrisias, com muitos progressistas saindo em sua defesa, frente aos apedrejadores. Segundo ela, "Parada Gay não é Carnaval fora de época, é protesto”.
Uma das questões levantadas é: qual o problema de Jesus Cristo ser retratado como um transexual ou travesti? Ele - o Cristo - seria pior se fosse gay? Não. É lógico que não. Nós sabemos que ninguém é melhor do que ninguém por conta de sua orientação sexual.
Esta polêmica gira em torno do cristianismo e suas diferentes visões. Passa pelo moralismo fossilizado de alguns e pela luta de outros por respeito. Vivemos em um estado teoricamente laico, onde se deve respeitar a liberdade de culto (Pajelança, Candomblé, Umbanda, Espiritismo, Catolicismo, Protestantismo, Santo Daime etc.) e garantir direitos coletivos e individuais. A homofobia (assim como outras opressões sociais) precisa ser combatida e não pode ser estimulada por ninguém. Para o conjunto da sociedade, a interpretação de nenhum dos diferentes livros tidos como sagrados, pode se sobrepor às normas de uma sociedade que se propõe democrática e civilizada.
Nesta questão, que passa por nossa cultura religiosa, quem se posiciona muito bem são os adeptos da Teologia da Libertação, com sua crítica social profunda (incluindo os abusos do clero), sua visão solidária e ecumênica, sua "fome de pão” e "sede de justiça”, seu compromisso sincero com os pobres e uma crença que não é autoritária, nem impositiva. Falo da turma de Dorothy, Josimo e Helder.
Devo confessar aqui minha má vontade com os estridentes e avarentos líderes religiosos de terno e gravata, além dos que carregam pesados crucifixos de ouro sobre suas batinas. Lembro o memorável diretor de teatro Augusto Boal, no livro "A Estética do Oprimido", ao falar do papa (ainda não era o interessante e arejado argentino Jorge Bergoglio), quando ele disse que "Jesus e o atual cristianismo têm pouca coisa em comum. Para que eu possa começar a acreditar em alguma coisa que ele diga, quero ver o papa quase nu, despojado de artifícios, pregando nas ruas e nos campos. Isso, sua estética não permite, a minha, exige!”.
É repugnante ver aqueles que, em nome de Jesus Cristo, usam as redes sociais para atacar uma transexual "crucificada” e são absolutamente indiferentes ao assassinato de travestis. E são indiferentes também às palafitas, mendigos, despejos e crianças que vivem em situação de rua. São os mesmos que, desprovidos de qualquer misericórdia, aceitam (tranquilamente!) a imensa desigualdade social brasileira, fecham os olhos para a quase falência da educação básica nas escolas públicas e ainda querem reduzir a maioridade penal para jogar adolescentes (pobres!) nos infernos das penitenciárias brasileiras, outro problema negligenciado.
A polêmica em torno de Viviany nos remete a diversos grupos sociais vítimas da hostilidade e da humilhação e que (graças a Deus!) estão exigindo a justa dignidade. Sobre o assunto, ao ver a transexual "crucificada”, deveríamos lembrar uma mensagem que orienta a "amar ao próximo como a si mesmo”. Ela serviria para que entendêssemos este protesto feito na Parada Gay e enxergássemos de forma generosa a todos os excluídos que nos pedem socorro.
*Emilio Azevedo é jornalista e integra o grupo do jornal Vias de Fato.

Emilio Azevedo

Jornalista com pós-graduação e
 
 
 





domingo, 14 de junho de 2015

Reforma política já


Dom Luiz Demétrio ValentiniBispo de Jales (SP)

A pauta do Congresso Nacional está carregada. Vai ficar ainda mais densa, e tensa, com a entrada em discussão da reforma política.

O país já não aguenta o adiamento desta reforma, que já foi exaustivamente cobrada como a “mãe de todas as reformas”. Se não é pela vontade dos congressistas, o clamor nacional está urgindo que se coloque o assunto na mesa dos debates, com a inequívoca disposição de elaborar um projeto abrangente, e colocá-lo em votação.
A opinião pública já assinalou, com suficiente clareza, os pontos principais desta reforma, que devem ser definidos e votados.
Nestes dias foi entregue ao Congresso Nacional um projeto abrangente de reforma política, apoiado por mais de seiscentos mil eleitores. O número não atingiu o quórum suficiente para urgir o Congresso a discutir e votar as propostas elaboradas por uma “coalizão” de entidades, onde figura, entre outras, a CNBB e OAB.
A esta altura, não vem ao caso se foram preenchidas ou não as condições de uma “Iniciativa Popular de Lei”, como determina a Constituição. Pois o recado está dado, com clareza, e com ênfase em sua urgência.
Nem é o caso, também, de dar importância às querelas internas dos católicos que pensam que a CNBB deveria fazer como Pilatos, lavar as mãos para não se sujar com os destinos do povo. O que não dispensaria, isto sim, uma séria avaliação para discernir onde moram as causas da anemia política de muitos cristãos, que preferem aumentar o volume dos salmos no interior da igreja, para impedir que a voz das ruas seja ouvida. A proposta de reforma não dispensa a atuação do Congresso Nacional, nem usurpa as atribuições que são próprias do Estado, pelo qual, de resto, devemos todos nos sentir envolvidos como cidadãos conscientes e corresponsáveis.
Que o Congresso coloque logo o assunto em discussão. Mas que não perca de vista as sugestões que trazem as preocupações mais evidentes da cidadania.
Entre elas, a mais complicada, e que vai exigir sabedoria e abertura de espírito, é certamente a questão do financiamento da campanha política. Em especial, o financiamento de campanhas por parte de empresas. A questão de fundo é afastar, o quanto possível, a influência do poder financeiro sobre o resultado das eleições. Pois até que tivermos deputados e senadores financiados para defenderem interesses corporativos de empresas, a democracia fica comprometida e desvirtuada.
Outro ponto nevrálgico da reforma política é aprimorar a representatividade do Congresso Nacional. É preciso que o sistema político estimule a proximidade dos eleitores com os eleitos, para cobrar deles as incumbências que a cidadania lhes atribui, e que eles assumiram publicamente na campanha eleitoral. Este difícil desafio precisa encontrar mecanismos viáveis de sua realização. Pode ser pelo voto distrital, na forma que se resolva implementá-lo. Mas este desafio precisa levar em conta, simultaneamente, a função dos partidos políticos, que viabilizam a formulação de projetos amplos, para ir consolidando um projeto de Nação para todo o país.
Por isto, merece atenção especial a proposta de vincular o mandato dos eleitos a seus respectivos partidos, não se excluindo a possibilidade da votação em listas partidárias, ou através de outras providências destinadas a fortalecer a função dos partidos políticos. Sem partidos fortes e coerentes o Congresso Nacional se torna um desvirtuado desfile de ambições pessoais, e um jogo de cena encobrindo manobras interesseiras.
Permanece de pé a regulamentação dos instrumentos da democracia participativa, assumidos pela Constituição em seu Artigo 14, como é o caso da Iniciativa Popular de Lei, do Plebiscito, e do Referendo. Sem a definição destes institutos, as manifestações populares acabam se desvirtuando, por falta de adequada sustentação.
Se o atual Congresso Nacional quiser passar para a história como protagonista da reformulação política do Brasil, que vote logo uma reforma política que venha ao encontro destas aspirações da cidadania.

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Comunicado Urgente da Coalizão aos companheiros (as),




Brasília (DF), 03 de junho de 2015.




Na semana passada tivemos o início da votação da Reforma Política na Câmara dos Deputados.
Derrotamos o “distritão” e o financiamento empresarial das eleições  na votação de segunda-feira. Todavia, numa manobra do presidente da Câmara, Deputado Eduardo Cunha, ilegalmente fez nova votação e “legalizaram”, em primeiro turno a constitucionalização da corrupção, com a intenção de colocar na Carta Magna, o financiamento de Empresas em Campanhas Eleitorais. Mas a luta não terminou.

Muitos deputados votaram pela permanência do poder econômico nas eleições. É sobre eles que
propomos incidir no seu estado para que apoiem a proposta de iniciativa popular contra o financiamento de empresas nas campanhas eleitorais. Segue anexa a relação dos deputados que votaram contra a sociedade civil.

O segundo turno da votação da Reforma Política na Câmara recomeça no dia 16/06/2015. Por
isso é urgente que iniciemos imediatamente a pressão nominal sobre eles: divulgando seus nomes nos aeroportos no retorno deles ao Estado; divulgando nossas mensagens pelas redes sociais (estamos produzindo memes para cada estado brasileiro); produzindo outdoors, quem puder; fazendo cartazes em atividades públicas para constrangê-los.

64 deputados, integrantes de diversos partidos políticos, ajuizaram um mandato de segurança no Supremo Tribunal Federal, com pedido de liminar contra esta manobra do presidente da Câmara. 

Além disso, ressaltamos a importância de continuar a coleta de assinaturas, visto que os temas de
nossa iniciativa popular serão ainda analisados, seja na Câmara dos Deputados ou no Senado Federal. Somente a mobilização da população e de suas organizações será capaz de viabilizar a aprovação de uma Reforma Política Democrática. Coragem!

Um abraço,

Executiva da Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas
OAB (Ordem dos Advogados do Brasil)
CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil)
Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura)
CTB Nacional (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil)
CUT Brasil (Central Única dos Trabalhadores)
MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral)
Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político
UNE (União Nacional dos Estudantes)

Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas
Secretaria da Coalizão - SAS Quadra 05, Lote 02, Bloco N, Edifício OAB, 1º andar - Brasília/DF, CEP: 70070-913
Telefone: (61)2193-9750 | (61) 2193 9725 – E-mail: secretaria@reformapoliticademocratica.org.br, coalizao2013@gmail.com Site: www.reformapoliticademocratica.org.br


Human Rights Watch publica carta contra a redução da maioridade penal

Eis a carta.
Brasília, 09 de junho de 2015
Exmo. Sr. Deputado Federal Eduardo Cunha
Presidente da Câmara dos Deputados
Exmo. Sr. Deputado Federal Andre Moura,
Presidente da Comissão Especial da Câmara dos Deputados sobre a PEC
n°171/1993
Exmo. Sr. Deputado Federal Laerte Bessa,
Relator da Comissão Especial da Câmara dos Deputados sobre a PEC
n°171/1993
Excelentíssimos Senhores Parlamentares,
Escrevo para compartilhar com Vossas Excelências as sérias preocupações da Human Rights Watch em relação à proposta de emenda constitucional que pretende reduzir a maioridade penal no Brasil para a idade de 16 anos, permitindo que adolescentes com 16 anos ou mais em conflito com a lei sejam julgados e punidos como adultos. Se aprovada, a emenda violará as obrigações do Brasil perante o direito internacional e colocará em risco os esforços do país para reduzir a criminalidade, ao invés de fortalecê-los.
A Human Rights Watch é uma organização não-governamental que se dedica à proteção dos direitos humanos em todo o mundo. Atuamos em mais de 90 países e temos pesquisadores em mais de 59 localidades ao redor do mundo, incluindo São Paulo. Trabalhamos com os governos e a sociedade civil para que os direitos humanos e o Estado de direito sejam respeitados.
A proposta de emenda constitucional, PEC n° 171/1993, modificaria o artigo 228 da Constituição, que atualmente determina que "são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”. Ao substituir a palavra “dezoito” por “dezesseis”, a emenda resultaria em jovens de 16 e 17 anos sendo processados e julgados nas varas criminais comuns, ao invés de responderem por seus atos perante o sistema socioeducativo. A emenda também resultaria em jovens sendo encarcerados com adultos, provisoriamente ou de forma definitiva se forem condenados por uma conduta delitiva.
Muitos dos que apoiam a proposta o fazem impulsionados por um desejo legítimo de promover a responsabilização de adolescentes que cometem atos delitivos e reduzir a criminalidade no Brasil. No entanto, a crença de que a emenda avançaria essas metas se baseia em várias premissas infundadas. Uma delas é que os adolescentes brasileiros cometem crimes com impunidade quando, na verdade, são responsabilizados por meio de um sistema próprio, o sistema socioeducativo, que inclui a medida de internação nos casos de infrações mais graves.
Outra premissa infundada é a alegação de que processar e julgar adolescentes como adultos vai dissuadi-los de se envolverem em crimes quando, na verdade, evidências disponíveis indicam que essa prática tende a ter precisamente o efeito contrário, aumentando a reincidência entre jovens em conflito com a lei. A terceira é a alegação de que a emenda faria com que o sistema de justiça criminal do Brasil se alinhasse ao de outros países na forma em que lidam com jovens infratores, quando o fato é que grande parte dos países estabelece a maioridade penal em 18 anos ou mais.
Consideraremos cada uma dessas alegações separadamente. Mas, antes disso, é importante destacar o fato de que, até agora, o Brasil se manteve na frente do movimento internacional para garantir proteções legais mais amplas para as crianças e adolescentes. O Brasil foi o primeiro país da América Latina a incorporar as normas e princípios da Convenção sobre os Direitos da Criança na legislação nacional, por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990, tornando-se um modelo para outros países da região.
Com a aprovação da PEC n° 171/1993, o Brasil estaria abandonando essa posição de liderança e traindo seus compromissos no âmbito do direito internacional, ao mesmo tempo que colocaria em risco os direitos das crianças e adolescentes e, em última instância, a segurança dos seus próprios cidadãos. Por esses motivos, encorajamos Vossas Excelências a rejeitarem integralmente a emenda proposta.
Os adolescentes brasileiros cometem delitos impunemente?
Os defensores da emenda proposta argumentam que é necessário garantir que adolescentes que violam a lei sejam responsabilizados por suas ações. No entanto, adolescentes em conflito com a lei respondem por seus atos no Brasil por meio de um sistema próprio, o sistema socioeducativo, pelo qual eles podem ser privados de sua liberdade por até três anos. Esse sistema busca promover a responsabilização de jovens com base em regras e procedimentos estabelecidos no Estatuto da Criança e do Adolescente, projetados de acordo com o desenvolvimento mental dos jovens em conflito com a lei e adequados a sua reabilitação como cidadãos que respeitam a lei.
Se há impunidade em casos que envolvem adolescentes, ela reflete uma falha mais ampla do Brasil hoje em relação à investigação e consequente responsabilização criminal. Os níveis de impunidade para todos os crimes são elevados. Por exemplo, menos de oito por cento de todos os homicídios no país são resolvidos, de acordo com as estimativas oficiais mais recentes. Não há nenhuma razão para acreditar que processar e julgar adolescentes como adultos mudará esse quadro.
O julgamento e punição de adolescentes como adultos reduzira a criminalidade no Brasil?
Defensores da emenda alegam que a possibilidade de os adolescentes serem julgados e punidos como adultos funcionaria como um mecanismo de dissuasão, evitando que violassem a lei, ajudando, pois, a reduzir as taxas de criminalidade no Brasil. Contudo, não são fornecidas quaisquer provas que sustentem essa afirmação. Em vez disso, alguns apontam para os Estados Unidos como um modelo. Nos Estados Unidos, durante décadas, argumentos similares foram utilizados para justificar o julgamento de adolescentes como adultos. A evidência disponível sobre essa prática naquele país, no entanto, não sustenta essa posição.
Em 2007, um grupo de trabalho composto por especialistas independentes e funcionários do governo dos Estados Unidos realizaram uma revisão sistemática de pesquisas científicas publicadas sobre a eficácia das leis e políticas que permitiam que adolescentes fossem processados, julgados e condenados como adultos. Esse grupo de trabalho detectou que essa prática “ao invés de diminuir, normalmente aumenta os índices de violência” entre jovens infratores e concluiu que é “contraproducente enquanto estratégia para prevenir ou reduzir a violência juvenil e reforçar a segurança pública.”
Da forma semelhante, um relatório de 2010 preparado pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos examinou seis estudos de larga escala sobre os efeitos do julgamento de adolescentes como adultos e descobriu que, de acordo com todos os seis estudos, as taxas de reincidência eram mais altas entre os adolescentes que haviam sido julgados no sistema de justiça comum do que entre aqueles que haviam sido julgados no sistema de justiça juvenil.
No caso de crimes violentos, um desses estudos constatou que a taxa de reincidência foi cem por cento maior para aqueles jovens julgados no sistema de justiça comum. O relatório concluiu que o julgamento de adolescentes no sistema de justiça comum “não produz proteção para a comunidade”, mas sim “aumenta substancialmente a reincidência”.
Os estudos identificam vários fatores que podem contribuir para essa taxa de reincidência mais alta. Um deles é a influência negativa a qual o adolescente é exposto quando é encarcerado com adultos, incluindo hábitos e comportamentos criminais que eles podem aprender com infratores mais velhos. No contexto do Brasil, isso poderia ser um fator particularmente problemático, sobretudo nas prisões que são controladas por violentas facções criminosas.
Como a Human Rights Watch documentou recentemente no estado do Maranhão, os detentos sofrem uma pressão intensa para se filiarem a facções criminosas a fim de se protegerem e estão propensos a manter essa filiação mesmo depois de serem liberados, porque ainda precisam, de alguma maneira, se proteger contra membros de facções rivais que continuarão considerando-os como inimigos.
Outro fator identificado nos estudos foi a redução das oportunidades de reabilitação e apoio familiar para os jovens encarcerados em prisões para adultos. Isso também é um fator relevante no Brasil, onde apenas dez por cento dos presos tem acesso à educação na prisão (embora a maioria da população prisional não tenha concluído o ensino primário).
Embora os atuais estabelecimentos do sistema socioeducativo para jovens possam e devam ser aperfeiçoados, eles oferecem um número muito maior de atividades conducentes à reabilitação, incluindo uma segunda chance de terminar a escola para as crianças e adolescentes que a abandonaram devido à pobreza, a problemas familiares, ou por outras razões, e a oportunidade de aprender uma profissão por meio de cursos de formação profissional.
Além disso, esses estabelecimentos do sistema socioeducativos são obrigados a oferecer tratamento aos jovens usuários de drogas, outro elemento-chave que oferece a adolescentes a oportunidade de mudar de vida e reduz a probabilidade de que reincidam na conduta delitiva depois de cumprirem a medida. Em contraste, nenhum dos estabelecimentos prisionais para adultos visitados pela Human Rights Watch oferece qualquer tipo de tratamento e os detentos geralmente tem acesso a drogas.
Uma emenda como esta alinharia o Brasil com práticas no resto do mundo?
Defensores da emenda argumentam que a mudança na Constituição alinharia as práticas do Brasil com as de outros países. A verdade, porém, é que apenas um pequeno número de nações permite que adolescentes sejam julgados como adultos. Na América do Sul, apenas o Suriname, a Bolívia, a Guiana e o Paraguai o fazem. Nos Estados Unidos, muitos estados têm atuado recentemente para limitar a prática de tratar jovens em conflito com a lei da mesma forma que os adultos ao aprovar leis expandindo a jurisdição de cortes juvenis e aumentar as proteções do processo legal para as crianças e adolescentes.
Uma consideração ainda mais importante, no entanto, é o fato de que a emenda violaria normas internacionais que foram consagradas em tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil. Entre eles estão a Convenção sobre os Direitos da Criança, que afirma que o tratamento de crianças e adolescentes em conflito com a lei deve levar em consideração “a idade da criança e a importância de se estimular sua reintegração e seu desempenho construtivo na sociedade.” O Comitê sobre os Direitos da Criança, organismo da ONU que monitora a implementação da Convenção pelos Estados signatários, afirma que "todas as pessoas com idade inferior a 18 anos no momento de um suposto crime devem ser tratadas de acordo com as regras da Justiça juvenil” e instou os Estados que julgam pessoas com idade inferior a 18 anos como adultos a mudar as leis para pôr fim a essa prática.
Da mesma forma, o Comitê de Direitos Humanos e o Comitê contra a Tortura, organismos da ONU que monitoram a implementação do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e da Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, respectivamente, e o Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária, outro órgão da ONU que investiga casos de prisões e detenções arbitrárias, também recomendaram que os Estados nunca julguem crianças e adolescentes como adultos e que promovam reformas na legislação que ainda permita essa prática. A Corte Interamericana de Direitos Humanos também já afirmou que as pessoas menores de 18 anos devem ser submetidas “apenas a organismos jurisdicionais específicos, distintos daqueles para os adultos”, e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos concluiu que “nos termos da legislação internacional, apenas aqueles maiores de 18 anos podem ser responsabilizados penalmente como adultos”.
A aprovação da emenda permitiria o encarceramento de adolescentes junto com adultos, outra violação do direito internacional. O PIDCP e a Convenção sobre os Direitos da Criança requerem que as crianças menores de 18 anos sejam separadas dos adultos se forem detidas antes do julgamento e também se forem condenadas por um crime.
Segregar as crianças em celas ou blocos de celas separados dentro de uma prisão para adultos não é suficiente perante o direito internacional, de acordo com o Comitê sobre os Direitos da Criança, que afirmou que os adolescentes “não devem ser colocados em uma prisão para adultos ou outras instalações para adultos”. O Comitê indicou que colocá-los em prisões para adultos “compromete sua segurança e bem-estar mínimos e sua capacidade futura de reintegração e não reincidência”. Eles devem ser conduzidos a instalações especiais, com equipe e políticas específicas para crianças e adolescentes, inclusive com profissionais da área médica e saúde mental treinados para trabalhar com os mesmos.
Para concluir, crianças e adolescentes que violam a lei podem e devem ser responsabilizados, mas de uma forma individualizada que promova sua reintegração à sociedade e que seja consistente com as normas internacionais de direitos humanos. Julgá-los e puni-los como adultos não é a resposta para os problemas de segurança pública enfrentados pelo Brasil.
Com base nas evidências disponíveis, essa prática só aumentará a reincidência e colocará em risco os esforços para reduzir a criminalidade em todo o país.
À vista do exposto, respeitosamente recomendamos que Vossas Excelências rejeitem o Projeto de Emenda Constitucional PEC n° 171/1993.
Agradecendo a atenção dispensada a este assunto extremamente importante, envio-lhe
meus mais cordiais cumprimentos.
Maria Laura Canineu
Diretora do escritório Brasil da Human Rights Watch


sexta-feira, 5 de junho de 2015

     Se você tem metas para um ano. Plante arroz. Se você tem metas para 10 anos. Plante uma árvore. Se você tem metas para 100 anos então eduque uma criança. Se você tem metas para 1000 anos, então preserve o meio ambiente. - Mensagem de confusio              



                                                                                                           





 


                                        JUNHO,                                                            

                     QUERO QUE VOCÊ 
         ME AQUEÇA NESTE INVERNO!