Em tempos de inconfidências e golpes
Marcelo Barros
A cada 21 de abril, o Brasil para em memória dos homens e
mulheres que, no século XVIII, fizeram a Inconfidência Mineira para libertar o
país do império português. Até hoje, continuamos a ter de vencer novas formas
de colonialismo que tentam dominar o Brasil e toda a América Latina. Mais do
que nunca, é preciso lutar por uma verdadeira “liberdade ainda que
tardia”.
Nesses dias, o Brasil parou no domingo anterior ao dia
21. Nesse dia, o Congresso Nacional foi transformado em picadeiro de circo
romano. Ali, a democracia constitucional foi atirada aos leões. Feras humanas
deram ao mundo o triste espetáculo de marionetes que se orgulham de ser
manobradas por forças mais ou menos ocultas que os financiam. Ali, os
brasileiros viram o espetáculo não da inconfidência pela liberdade, mas de um
golpe, a favor do Império e dos interesses mesquinhos de uma elite que nunca
aceitou perder seus privilégios.
Atualmente, o império é outro e as condições sociais e
políticas do continente são diferentes das que vivíamos no século XVIII.
Entretanto, a cada momento, a independência social e política nossa, assim como
a de todos os países-irmãos da América Latina, conquistada depois de tantas
luta e sangue, está em perigo. Na América Latina, o governo dos Estados Unidos
tem como prioridade retomar uma hegemonia na região, através do controle do
comércio, perdido no início dos anos 2000. Em pleno século XXI, as embaixadas
norte-americanas em nossos países continuam a financiar golpes de Estado e
suscitar a desestabilização social e política em nossos países. O governo
norte-americano financiou o golpe militar em Honduras, (2009) e no Paraguai
(2012). Financia a oposição ao governo bolivariano da Venezuela e faz de tudo
para destruir o caminho iniciado pelos governos da Bolívia e Equador. Agora, a
presidente Dilma está sendo vítima desse golpe parlamentar. No domingo, ela foi
condenada não pelos eventuais defeitos do seu governo e do seu estilo pessoal,
mas exatamente pelo compromisso social do governo com os movimentos sociais e
porque, embora com algumas contradições, representa uma iniciativa nova de
independência brasileira e latino-americana frente ao Império.
O sociólogo Paulo Canabrava Filho escreve: “Junto com Chile,
Colômbia, México, Costa Rica e Panamá, o Peru assinou a “Aliança do Pacífico”,
acordo de cooperação política, militar e de inteligência, assim como de livre
comércio com os Estados Unidos. E o governo norte-americano já instalou 12
bases miliares em território peruano, com o pretexto de combate ao
narcotráfico. O número de marines desembarcados (ou invasores?) pode chegar a
dez o doze mil” (Revista Diálogos do Sul, março 2016). No
Equador, o presidente Rafael Correia declarou que o seu país está totalmente
aberto a que os Estados Unidos instalem bases militares no Equador, desde que o
governo norte-americano também permita ao Equador instalar bases militares suas
em território norte-americano.
Do mesmo modo, nos dias turbulentos que vive o Brasil, é
preciso ver o que está por trás de tudo isso que está acontecendo. O mais
importante de tudo não é a luta contra a corrupção, já que muitos dos que a
lideram estão mais do que envolvidos na mesma corrupção que fingem combater. A
própria questão do impedimento da presidente também não é a meta final que
almejam. Por trás de toda essa luta para criar o caos no Brasil, o projeto é
impor outra política econômica e social. Trata-se de mudar as leis trabalhistas,
em prejuízo dos assalariados, principalmente, revogar a política de valorização
do salário mínimo; implantar a terceirização irrestrita da mão-de-obra,
entregar as reservas de petróleo do pré-sal às empresas transnacionais,
privatizar o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Introduzir o ensino
pago nas universidades federais, primeiro passo para a privatização. Além
disso, o governo do golpe deve dar sinal verde ao agronegócio para expulsar os
índios de suas terras. Acima de tudo, precisa eliminar a política externa
independente e retomar o papel que o Brasil tinha antes de serviçal dos Estados
Unidos. É isso que está em jogo e muitos brasileiros não querem ver.
Quem crê em Deus sabe que ele sempre vê a realidade a partir
dos mais empobrecidos e carentes. Na Inconfidência Mineira, havia padres e
religiosos envolvidos na luta. Nessa luta atual, como cidadãos, defendemos a
Constituição e o Estado de Direito. No entanto, quem é cristão é chamado a ir
além disso. Tem de formar com os movimentos sociais e lutar pacificamente por
uma justiça que vai além da justiça dos homens. Nessa mesma semana de
Tiradentes, celebramos os 20 anos do massacre dos lavradores sem-terra em
Eldorado de Carajás. Nesse 19 de abril, celebramos o dia latino-americano do
índio, até hoje, vítima desse modelo de desenvolvimento elitista e sem coração.
Ao defender os interesses dos pequeninos e lutar por um governo a serviço dos
mais empobrecidos, nos colocamos do lado de Jesus que se identifica com os
pequeninos e as vítimas desse modelo de desenvolvimento que nos domina. Esse é
o lado no qual devemos estar todos nós.