Na última segunda-feira, o mundo inteiro se admirou em ver o
papa Francisco viajar a Lund, na Suécia, para participar da abertura das
comemorações do quinto centenário da Reforma Protestante. De fato,
há 500 anos, segundo a tradição, naquele 31 de outubro de 1517, o monge
agostiniano Martinho Lutero fixou suas 95 teses na porta da Igreja do Castelo
de Wintenberg. Assim ele iniciou a Reforma Protestante que se desdobrou em
diversos movimentos e frações que foram a origem das Igrejas evangélicas. Com
essa visita à Federação Luterana Mundial, o papa Francisco manifesta todo o seu
apoio e a comunhão da Igreja Católica com a Igreja Luterana e as outras Igrejas
nesse caminho de reforma permanente.
Quem vê Lutero como o provocador da divisão do Cristianismo
Ocidental em inúmeras Igrejas considera a Reforma um acontecimento negativo. O
Ecumenismo sempre nos ensinou que a vontade de Deus é a unidade e qualquer
divisão é oposta à oração de Jesus pela unidade dos seus discípulos. No
entanto, se olharmos criticamente a História, sabemos que, desde suas origens,
o movimento cristão sempre se destacou pela diversidade de teologias,
organização e expressões culturais. O Cristianismo primitivo era constituído por
Igrejas locais confederadas, mas autônomas em sua forma de expressar a fé e de
se organizar. Nos tempos medievais, o papa se constitui como autoridade máxima
e chefe de toda a Igreja. E a luta pelo poder na Igreja tem sempre provocado
divisões. Desde o século IV e V, diversas divisões opunham Igrejas do Oriente e
a Igreja Latina. No século XI, os patriarcas das Igrejas de Constantinopla e de
Roma se excomungaram reciprocamente. A partir daí, as Igrejas do Oriente e do
Ocidente nunca mais se uniram. Durante a Idade Média, no Ocidente,
os papas conseguiram manter a Igreja Católica como uma só, mas ao preço de
muitas repressões, violências, condenações de hereges e até guerras e
massacres.
No século XVI, o movimento da Reforma, iniciado por Lutero e
continuado por Calvino, Zwinglio, Melancton e outros, possibilitou formas
diversas de comunidades cristãs, (congregacionais, episcopais, presbiterianas,
etc), todas firmadas em "uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de
todos que age em todos e através de todos" (Ef 4, 1- 4).
Cinco séculos depois, a Igreja Católica e as Igrejas da
Reforma vivem um diálogo teológico e institucional que praticamente deixou no
passado os motivos doutrinais das divisões. Representantes oficiais de Igrejas
Luteranas, Calvinistas, Anglicanas e outras assinaram entre si e também com a
Igreja Católica diversas declarações e acordos. Esses documentos mostram que há
uma unidade fundamental no modo de compreender e interpretar a fé, a missão da
Igreja, o batismo, a eucaristia e os ministérios. Os próprios princípios que
fizeram Lutero se insurgir contra o papa, como a justificação pela fé, já foram
aceitos pelo magistério de Roma. Entretanto, apesar de todas essas
aproximações, as Igrejas continuam não apenas diferentes e autônomas, o que
seria positivo, mas divididas. O Conselho Mundial de Igrejas que reúne 349
Igrejas cristãs propõe a meta de uma "diversidade reconciliada". Em
várias de suas alocuções, o papa Francisco parece ter assumido esse princípio
como possível caminho de unidade. Para isso, de um lado e do outro, é preciso
superar pecados ligados à compreensão quase divinizada do poder, a arrogância
cultural, a dificuldade de aceitar o diferente e principalmente o princípio
medieval que foi retomado por Lutero e também diversas vezes lembrado pelo papa
Francisco: "A Igreja deve se reformar permanentemente".
Para essa renovação contínua, os critérios apontados pelo
papa João XXIII são a volta ao Evangelho de Jesus e a busca sincera e profunda
de atualização para "ouvir o que o Espírito diz, hoje, às Igrejas"
(Ap. 2). Para cada cristão e para cada comunidade de Igreja, retomar a
referência ao evangelho é assumir o compromisso permanente de uma conversão
pessoal e comunitária que é progressiva e sempre mais exigente. Assim, nos
abrimos ao amor divino que nos torna capazes de dialogar com a humanidade atual
e nos dispor a sempre nos atualizar.
Nesse novo tempo de diálogo e de aproximação, as Igrejas
aprendem umas com as outras e se influenciam mutuamente. As comemorações desse
quinto centenário da Reforma vão estimular mais ainda as Igrejas evangélicas e
a Igreja Católica a darem graças a Deus pelo caminho percorrido em comum e se
unirem em um trabalho de reforma permanente. Cada vez mais, nossas Igrejas se
unirão a outras religiões como o Budismo, o Islã e todos os caminhos religiosos
para colaborar com a sociedade internacional na construção da justiça, paz e o
cuidado com a Terra, nossa casa comum.
Publié par Marcelo Barros